Este espaço foi criado para trocar ideias e atividades da área de Lingua e Literatura, compartilhando com os colegas experiências vividas ao longo da minha profissão.

Língua

Gosto de sentir a minha lígua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesias está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade (...)
(Caetano Veloso)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A Mudança

As poltronas de uma a uma eram ocupadas. Em nenhum momento desejei outro lugar. Desde a chegada, permaneci na maior parte do tempo imóvel. Uma vez que outra lançava o pescoço para alguma direção (pois toda espera sabe ser angustiante).

Ocupado? Não, não. Pode sentar-se...

Entreolhava-nos. Antecipar-me aos outros é meu costume. Chegar antes é indício de que são os outros é que estão atrasados... Antigos hábitos? Difícil desfazê-los, não é.

O passado tem novo espetáculo! Em cartaz, o silêncio...

A luz do instante recai à puída e rasgada caixa de sapato, no canto da mesa. A infância repassa o texto. Mas, oportunamente, é a adolescência que subiu ao palco, ostentando um monólogo escrito num dia chuvoso, sob o teto de um quarto alugado. (Bebeu toda a goteira. Para matar a fome, um carreteiro com pouco arroz e carne e muita cebola). Os talheres e os pratos servidos nos aguardavam, nos seus devidos lugares.

Requentávamos o instante. O mofo no rodapé do quarto era um atrativo. Sobretudo, eu espirrava a minha alergia de sempre...

Na desgastante impaciência do fecha e reabre dos guardados – sob o empoeirado gesto desliga e liga das luzes –, estão o lápis por apontar, as folhas de papel reciclado imitação à velha mesa carcomida pela umidade e os pacotes com as roupas nunca dantes usadas.

E ali – dentro desse – um sapato sem casa, e de muitas calçadas e asfalto irregulares na sola, sedento por possuir o que hoje muito lhe possui. Contundente, também a reivindicar o mundo.

De calça cinza-noturno, camisa azul-tempestade e gravata vermelho-passional. Eu vestia-me adequado. Os demais ali, estranhos para diferentes ocasiões, vestiam mesmo era a farra da bagunça.

De repente aquela mulher, no esboço dos lábios espremidos. Pelo incontido riso, um sorriso estampava a cama de lençol amarrotado, longínqua, mas quente e aconchegante. De certa forma relíquia impalpável, que se transformou em lenço à emoção amarelada.

À procura da parede branca: olhos atônitos, olhos incisivos e olhares de cristal, que se ignoram cada qual na sua discreta caixa de sapatos.

De volta à cozinha, um choro baixinho. Tome o meu lenço!...

A bagunça está quase toda no fundo das caixas. Os olhos já repousam – é aquela leitura da última página do livro, seguida de um bocejo.

Despedimo-nos. Desde então, está vazio o canto da mesa.

Delalves Costa

Professor e Escritor


Atividade


1. Leia o texto e retire as palavras desconhecidas, depois pesquise-as no dicionário.

2. Além da variedade padrão, o conto apresenta outro variadade linguística, retire-a do texto e diga a que região pertence.

3. Pela característica da linguagem do texto, qual é a provável faixa etária do seu autor? Por quÊ?

4. Qual o modo dessa variedade: oral ou escrito? Justifique com elementos do texto.

5. Quanto ao grau de formalismo, a variedade linguística empregada pode ser considerado formal, informal ou coloquial?